A cigarra passou o Verão a divertir-se
Sempre em bares de strip,
a vestir-se, a despir-se,
O cigarro na boca e um copo na mão
— E mais cem euros na conta por cada actuação.
Ofereceu a si mesma um jipe no aniversário
E cinco assoalhadas em regime hipotecário.
Vestia da Versace
E da Sonia Rykiel;
Sempre à la page,
Rescendia a Chanel.
A formiga, ao invés, era uma desgraçada:
Não tinha carro, não tinha tecto, não tinha nada.
Conseguiu o mestrado com basta canseira;
Ficou desempregada sem eira nem beira...
Um dia, após tanto penar,
A casa da outra quis ir desabafar:
"Ouve, cigarra,
O mundo é cão:
Tu na farra,
Eu sem tostão;
Tanta dor, tanto estudo
E estafa...
E depois disto tudo,
Nada...
Sinto que há na minha alma um vácuo imenso e fundo,
Já pensei suicidar-me, afastar-me do mundo..."
"Não chores a tristeza e menos a amargura,
O mundo é mesmo assim, a vida é sempre dura",
Explicou-lhe a cigarra em tom de afectuosa amizade
Como se fora um conto dos mil e um de Xerazade.
"Bem me pareceu no fim do 9.º ano
Que o ideal seria um futuro menos espartano...!
Perfilha o meu divino exemplo
E faz da noite um Templo.
Acredita, formiga:
Deus, quando abre à mulher as portas desta vida,
Ampara-a dia-a-dia, fá-la sua protegida,
Porque todas temos um dom"
(E aqui discretamente passou-lhe o bâton).
"Comecei no Ano Novo e, desde Janeiro,
Iluminou-me sempre o luar do dinheiro.
Antes quero ir assim construindo o meu Céu
Do que esperar pelo modelo social europeu.
Às vezes, é preciso olhar por cima do umbigo;
Se precisas de ajuda, podes vir comigo".
Dirigiram-se as duas para uma casa de alterne
E o primeiro cliente foi o senhor La Fontaine.
Uma delícia. Autor? (embora seja fácil d'imaginar, claro).
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