Em século e
pico, o génio nacional arrecadou um Nobel e meio. Inteiriço e completo é o de
Saramago. O meio resultou do prémio dividido entre o vencedor português e um fisiologista suíço.
O nosso chamava-se António Caetano de
Abreu Freire. Assim o registaram de nome completo. Isso de Egas Moniz foi a alcunha
que o neurologista colou com cuspo ao apelido, para convencer o populacho de que descendia
em linha directa do aio de D. Afonso Henriques.
É de andar
aos tombos a justificação genealógica que apresenta em A Nossa Casa. Qualquer genealogista
só de fim-de-semana, meia hora de leitura após o almoço dominical, se rirá a bandeiras
despregadas das pretensões fidalgas do facultativo.
A tese mais
verosímil adianta que o homem, quando estudante, fez no Teatro Académico de
Coimbra o papel de Egas Moniz. Deram os colegas a chamar-lhe Egas Moniz. Ele
gostou e adoptou-o, chamou-lhe um figo e pôs-se a imaginar uma linhagem varonil
que vinha, pelos séculos fora, de Entre-Douro-e-Minho até à freguesia de
Avanca.
Como é costume em Portugal, foi tentado pela política. Durante a Grande Guerra exerceu de Embaixador em Espanha, o destino mais seguro para o falso neto de Egas Moniz. Foi bem recebido. Nem precisou de se apresentar descalço e de corda ao pescoço.
Como é costume em Portugal, foi tentado pela política. Durante a Grande Guerra exerceu de Embaixador em Espanha, o destino mais seguro para o falso neto de Egas Moniz. Foi bem recebido. Nem precisou de se apresentar descalço e de corda ao pescoço.
Pioneiro da
sexologia lusitana, editou A Vida Sexual, livrinho pedagógico e recomendável onde
aplica à intimidade de homens e mulheres o que observava nos bovinos da Beira
Litoral. E como um mal nunca vem só, inventou a leucotomia, técnica bárbara que
a ele lhe deu fama e aos doentes sofrimento e morte. Quando, em 1949, recebeu a
metade do prémio já estava paralítico, de cinco tiros que levara de um paciente
que discordaria decerto do júri sueco quanto ao valor daqueles métodos curativos.
Conta Tomás
de Figueiredo, então notário em Estarreja, que aí por meados da década de 40 do
século passado se entreviu com o Abreu Freire, que pretendia um documento
oficial, que por páginas e páginas minutara, num estilo calisto e medíocre. Acrescentava
Tomás que lhe ficou do neurologista a maior figuração que é possível da vaidade
feita carne. E antes do meio Nobel! Pretendia ele lavrar um testamento, mas
propunha condições impossíveis à luz do Direito e do bom senso. Deixava de
raiz, e a herdeira podia assim vender ou gerir como quisesse, mas por morte
dela a herança teria aplicações que impunha, destinando cadeira por cadeira,
caco por caco.
A casa
ficaria para museu. E regulamentava o museu, o seu funcionamento, os horários, o
preço dos bilhetes. Diz Tomás de Figueiredo que não fez tal testamento, por
nulo, mas houve quem o fizesse, vergado pela autoridade, de rabinho entre as
pernas.
Mais tarde,
já inchado pela meia dose de Nobel, promove ele, até por cartas, que em Avanca
lhe alcem um monumento. E lá ficou ele todo, inteiro e majestático, na Quinta
do Marinheiro — o porte altivo, a cabeça de bronze, o capachinho. Um dos
grandes bluffs da cultura portuguesa.
Leucotomia, lobotomia; ao tomar conhecimento do método, logo me ocorreu, para grande decepção, a técnica dos diagnósticos elétricos.
ResponderEliminarFontes?
ResponderEliminarUm postal da blogosfera dispensa a enumeração de fontes. Mas quem pretender investigar, nos termos referidos, a vida e obra de Abreu Freire, pode ler com proveito: Manuel Correia, "Egas Moniz e o Prémio Nobel - Enigmas, paradoxos e segredos", Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006; Tomás de Figueiredo, "Memorial de Ariel", Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007; e os próprios livros citados do neurologista, "A Nossa Casa" e "A Vida Sexual".
ResponderEliminarE ainda consultar o site do Geneall (Genealogia)... onde consultando o nome do pai e da mãe verifica-se a não presença do dito apelido...
ResponderEliminarMaria Rebelo