ALMA DO MUNDO


 
[Schopenhauer e Atma, por Wilhelm Busch]
O limite, que o Governo quer impor, de dois cães por apartamento constitui um ataque soez à família tradicional. Há muito que os casais portugueses substituíram os filhos pelos cãezinhos. Com a limitação da prole a dois chihuahuas, extinguem-se por decreto as famílias numerosas.
Do mesmo modo que antigamente se desejavam três varões e três moçoilas, em igualdade de género, subsistiu até hoje o direito a ter três perdigueiros e três pastores alemães todos registados e com fotografia na sala de jantar.
Afinal, num país com reduzidíssima taxa de natalidade, quem senão os cães vai herdar a casota e a dívida ao banco? Quem senão eles, pobres bichos da cidade, encafuados em traseiras de dez metros quadrados, que só quando a Lua passa à perpendicular do pátio à Lua podem ladrar... Pobres e desgraçados bichos que, nos raros minutos de rua, sempre presos à trela, nunca hão-de saber o que seja andar de amores com leviana cadela; como dizia o Tomás de Figueiredo, nunca hão-de conquistá-la em sarrafuscas de onde tornem esbofados com uma orelha rasgada e focinhos a sangrar, mas gloriosos vencedores da refrega.
A ideia do animal como membro da família tem uma ampla tradição na cultura do Ocidente. Schopenhauer, que morreu em 1860, legou todos os bens ao seu cão, um caniche chamado Atma, "alma do mundo". Rendo aqui a minha homenagem ao filósofo e ao cãozinho.

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