OBRIGADINHO, PÁTRIA DE BURROS E DE ASSASSINOS

Embora impotente, protesto ante a humanidade em peso contra a ignomínia de que fui Cristo. Essa epopeia, de 6.000 decassílabos, é o meu grito de estertor.
Além dela, e tudo em quatro meses (!) escrevi um romance, um adiantado livro de memórias e 250 sonetos. Cheguei, numa tarde, a escrever 21, totalmente em transe, de mão automática e cérebro electrónico.
Nunca mais o abraçarei, meu querido amigo, eu, o tão apaixonado da Poesia, que tinha, depois da sua, a melhor colecção de Poesia de Portugal. Não, nunca mais. A Lisboa só voltarei quando seja para me asilar no manicómio, já para mim de tão pavorosa lembrança, e lá morrer, de lá sair na dantesca maca dos defuntos que frequente e de madrugada ouvia rodar à porta do quarto. Irei ouvir os uivos dos loucos e os gritos parvos do casal de pavões que lá heraldicamente passeia. Irei ser maltratado e achincalhado pelos criados de bata amarela, Salazares e Bérias do armazém. Digo que muito obrigado à Pátria. — Obrigadinho, Pátria de burros e de assassinos, de administradores da Sacor, de Faz-Tudos de barraca de feira que se honram de levar chulipas e bofetadas! Adeus, Pátria de governadores civis de Portalegre! Quis servir-te, de pé, e tu só aceitas lambedores cães de regaço, — Lésbia! Não gostas de homens!


[Tomás de Figueiredo, em carta inédita a João de Castro Osório, de 3 de Outubro de 1958]

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