CEIFEIRAS

Sempre que releio Wordsworth, mais me convenço de que a sua obra influenciou vários poetas de primeira plana quase até aos nossos dias. Apesar de inscrever-se na escola romântica, com certos devaneios à natureza e o gosto do sobrenatural, a sua poesia é moderna pelo estilo correntio, quanto possível coloquial, sem se eximir, porém, a certa nobreza de tom.    
O conhecido poema de Pessoa Ela Canta, Pobre Ceifeira filia-se directamente no célebre The Solitary Reaper [A Ceifeira Solitária]: "Behold her, single in the field, / Yon solitary Highland Lass! / Reaping and singing by herself; / Stop here, or gently pass! / Alone she cuts and binds the grain, / And sings a melancholy strain..."
Já houve ensaístas que apontaram as analogias, mas ninguém relevou este dado essencial: no seu poema, Pessoa mantém os octossílabos lânguidos e vagarosos, os versos de oito sílabas métricas da composição de Wordsworth. E ninguém parece reparar porque a tradução de Jorge de Sena verteu o poema para a nossa língua com versos de sete sílabas. Por vezes, na tradução de poesia, para se garantir toda a estrutura do original, é preciso transmitir simultaneamente a fidelidade do pensamento e a forma musical.

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