PINEAPPLE THE WOOD


Os programas e concursos de culinária podem molestar os estômagos mais sensíveis. Em certas refeições caseiras, sofremos a influência das experimentações de chefs australianos, concorrentes ingleses ou gastrónomos suecos. É certo que foi na cozinha que o homem civilizado apurou a imaginação, mais do que na guerra e no amor. Nestas duas actividades físicas, após a magia das primeiras semanas, a coisa tende para a repetição mecânica de certos gestos. Mas a inovação culinária carece de ser entendida como uma disciplina própria, com algumas regras. Até porque sem boa cozinha não há salvação, nem neste mundo nem no outro.
Em Portugal, os apetites vão  de modas. Primeiro foram os restaurantes chineses, depois os brasileiros, com os seus rodízios e a caipirinha, a seguir a mania do fondue (para poupar nos cozinheiros) e agora o sushi e outras porcarias.
De permeio, tentaram impingir-nos a manteiga de alho, as couvinhas de Bruxelas, o tomate-cereja e restantes bodegas. A cozinha tradicional cedeu à novidade pela novidade. Os produtos levados à mesa resultam menos do paladar dos clientes do que das negociatas com os fornecedores.  
De entrada, por iniciativa de algum produtor mais abispado, apresentam-nos agora aqueles pratinhos de azeite para demolhar o pão, modinha imbecil que passará como todas sem deixar rasto nem saudades.
No que toca aos pratos principais, é uma pançada de inovação criadora. Quinhentos anos depois de chegar à Índia, o País descobriu em êxtase o porco preto, com os seus famosos secretos, que de tão secretos andaram escondidos por séculos e séculos, se não desde a Batalha de S. Mamede, pelo menos desde a Bula Manifestis Probatum.
E para servir as sobremesas, o gastrónomo actualizado procede desta guisa: apresenta-as em pratos enormes, do tamanho de pneus, com a tarte a um canto e o prato decorado com quatro riscos paralelos e perpendiculares de um molho avermelhado
e enjoativo.
Com uma ou outra excepção, o serviço dos restaurantes deveras piorou nos últimos anos. Será má gestão, a crise, o IVA e o diabo a quatro. Num dos estabelecimentos da minha terra, por sinal um dos melhores, já não sobra dinheiro sequer para cuidar da ementa dos turistas estrangeiros. Para poupar a bolsa, recorre a gerência ao saber do Google e o Ananás ao Madeira é retrovertido como Pineapple the wood. A crise, de tão moderna, escreve-se em inglês técnico.

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