Escrevo estes textos, não por embirração, mas apenas para distinguir entre a genialidade e a fancaria. Separar o trigo do joio — é a tarefa. A cultura nacional perde por nivelar valores desiguais. Teófilo Braga, por exemplo, embora alçado a grande talento,
é um dos maiores bluffs da academia portuguesa. Não é de estranhar. Em Portugal a mediocridade recompensa-se com
faustos e laudatórios. Mas impressiona hoje ver com nome imaculado este tipo tão
medíocre, intrujão das dúzias e zote genial da literatura postiça.
Poeta medíocre
e ficcionista falhado, para desgraça dele e nossa meteu-se a historiador da
literatura. Foi mau e burlão em tudo — e sempre numa prosa reles, deslavada e
caótica. Agarrou-se ao positivismo — e ai de quem não perfilhasse as suas
positivices. Como o Grande Oriente faz milagres, chegou a Presidente da República.
Entre os
seus contemporâneos, gozava da mais sólida reputação de apropriador dos bens
alheios para os seus incontáveis livros. Quiseram endireitá-lo, a tempo e
horas. De tudo usaram, do bom conselho à crítica justa, e nada lograram — refinou. Herculano em 1869 classificava já o mal de insanável — prognóstico de sábio. E Camilo, quando a tortura da doença lhe dava
os últimos sacões, chegou a levar a mão à cabeça com gesto trémulo e exclamar: "Meu
Deus! Sinto a cabeça vazia como a do Teófilo Braga".
Quem lhe descobriu
a careca em livro foi Ricardo Jorge, esse sim, um dos grandes prosadores portugueses,
além de médico consagrado, a quem Teófilo surripiou páginas e páginas. Quando quis escrever o perfil biográfico e crítico de Francisco
Rodrigues Lobo foi-se ao trabalho de Ricardo Jorge e não teve mais que estender
a mão e deitar na abada. Fontes, datas, dados, citações, todo um material
penosamente carreado e lavrado ao longo de anos de estudo árduo, estava ali às
ordens. Levou o que quis e lhe conveio. Teófilo nunca cita o título nem o autor
do trabalho expropriado. Não admira. De plágios e contrafacções destas se fez a obra
inteira do grande republicano.
Mas não
roubava só em Portugal. Nisso de esbulhar tinha ele uma vocação universal e irredentista. Ao escritor e crítico brasileiro Sílvio Romero plagiou e falsificou
boa parte dos Contos Populares do Brasil, o que fez explodir a vítima num
protesto formidando, publicado em 1887, sob o título Uma Esperteza: Os Cantos e
Contos Populares do Brasil e o Sr. Teófilo Braga.
O lusófilo inglês
Aubrey Bell, que lhe topou o engenhoso método de criação, lavra crítica certeira: "It
would be indeed a miracle if Dr. Theophilo’s Braga works were as accurate and
as valuable as they are voluminous". ("Seria na verdade um milagre que as obras
do Dr. Teófilo Braga fossem tão cuidadas e valiosas como são volumosas.")
Trindade Coelho,
talento de primor moderno e alma antiga de espartano, apresenta este rasgo: "(…) o
sr. Teófilo [Braga] tem propagado nos seus livros tantas verdades como mentiras
(é favor), e que pelo toca a intenções de trabalho crítico, todo o seu desejo é
atirar com os outros ao meio do chão… a fim de ficar em evidência apenas ele (...)"
Assim foi
Teófilo. Oliveira Martins, Antero, Camilo, Junqueiro — a todos abocanhou
porcamente, por não reconhecerem a sua primazia. Sonhou-se estatuificado como
Camões, com uma roda de oitocentistas na peanha.
Crítico medíocre e arlequim das letras, o seu bota-abaixo atingiu Vieira e Bernardes, que
trata abaixo de cão. Apruma-se de braço togado a proferir o julgamento do jesuíta, que para ele não passa de um "retórico vazio" — um homem que não "cooperou"
nas "grandes sínteses filosóficas" do seu século, "o Baconismo e o
Cartesianismo". Tal qual. Deprecia, como untuoso e monótono, o estilo de
Bernardes. E zurze os dois por terem exercitado a linguagem sobretudo em assuntos
religiosos. Eis o crime, como se num quadro de Rafael ou de Rubens a qualidade mística
empanasse o brilho da pintura.
Fora o que é
roubado, a sua obra constitui a mais vasta enfiada de asneiras e mentiras. Procure-se
em qualquer página. Cada cavadela, cada minhoca. Erra datas, deturpa documentos,
anacroniza factos, confunde personagens, chorrilha desconchavos: os pés pelas mãos e as mãos pelos pés cruzam-se acelerados nesse tear de
sandices.
A teofilíssima
criatura, mestrão das letras, chega a confundir Francisco Rodrigues Lobo com Fernão
Rodrigues Lobo, o Soropita. Por pouco
que escrevesse, seria sempre de mais. Certo dia encontrou num jornal uma
fantasiada epístola do helenista Aires Barbosa, escrita de Esgueira na primeira
metade do século XVI. A frase era à légua e sem disfarce de linguagem moderna,
com uma crítica aos galicismos em voga no século XIX. Pois escarrou-a no prelo
como autêntica, servindo-a logo com aquele sabido molho de pedantaria. Um asno completo.
Repousa, com toda a justiça, no Panteão Nacional.
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