A DESGRAÇA DA EMIGRAÇÃO

No tropel de estrangeiros que tombou sobre Londres, Paris, Luanda e outras cidades, os nossos patrícios entraram de inscrever-se numa quota desmarcada. Nos últimos anos, trilharam de roldão vários países: uma vaga tão alta como as que têm ameaçado a nossa costa.
A emigração é sempre dolorosa. Não há "emigrações boas" e "emigrações más", nem "emigrantes qualificados" e "emigrantes desqualificados". Toda a emigração é uma perda, uma incerteza, uma lágrima de despedida, um vazio deixado por quem parte — uma saudade de pedra.  
A emigração dos últimos anos, agravada pela crise demográfica, é um derrame sem retorno. Muitos dos novos emigrantes partem de vez. São jovens, hão-de casar por lá, ter filhos, chamar a outra rua a sua rua — passam bem sem o fadinho e o bacalhau. De crianças já viam a MTV e comiam sushi. E quem cresce a ver a MTV e a comer sushi adapta-se a qualquer país e porcaria.
Na mão, a colher de pedreiro ou o diploma universitário, por vezes ambos — e aí vai a nova leva lusitana, numa imitação dos avoengos, que demandaram as sete partidas do mundo, fiados na força do braço e na coragem de afrontar a vida onde quer que seja. O trabalhador português encasou-se por toda a parte: cavou nas granjas, mourejou nas fábricas, construiu nas obras, serviu nos hotéis e restaurantes. A fita prossegue ainda agora, com malas de cartão ou tróleis da Samsonite, para júbilo dos adeptos do determinismo. É triste que um português para safar-se tenha de buscar outra terra. E que, por vezes, se exceda lá fora no empenho que lhe minguava em casa. Já o exprimia com observação certeira D. Francisco Manuel de Melo: "Isto têm os portugueses que fora da sua pátria se estremam até mais não".
Os comentadores modernos, para amenizar o drama, enroupam o fenómeno de uns agasalhos eufemísticos. Chegam a descobrir vantagens no êxodo. Asseguram-nos que, no regresso, os emigrantes vêm melhores. Parece que agora já saem "qualificados" e regressam, então, polidíssimos e carregadinhos de saber. A tese imbecil assenta na ideia de que um bruto, ao emigrar, melhora. De bruto, passa a demiurgo, sobretudo se amealhar umas massas. Troca a sardinhada pelo foie gras de pato. Vai de bigode e pêlos no peito, mas regressa depilado — e a cheirar às fragrâncias do Faubourg Saint-Honoré. Para esses palermas, o dinheiro é a pedra filosofal que, ao simples toque, transforma o patego em pensador. Assim, um bruto com dinheiro é melhor que um bruto sem dinheiro. Quem não estiver bem, mude-se, emigre — porque emigrar faz bem ao bolso e ao espírito.
Como sou um tipo de má índole e feitio pessimista, acho precisamente o contrário. Um patego com dinheiro é ainda pior que um patego sem dinheiro. Onde havia um pobre parolo passa a haver um parolo de Porsche e Rolex. A riqueza amplia a dimensão da parolice. Já o topara Camilo, quando escreveu que em Portugal os pobres de espirito são todos ricos de matéria.  
O que está em curso é a desagregação do país e do seu tecido social. Os emigrantes das gerações anteriores, coitados, trouxeram-nos o azulejo amarelo das moradias, os cães de loiça nas portadas e um sem-número de ideias que aprenderam lá fora — e que logo nos recomendaram para salvação da Pátria em risco. Mas, apesar de tais tolices, eram e nunca deixaram de ser portugueses. Já os que partem agora, duvido que o sejam hoje, quanto mais no regresso, se houver regresso.
Somos a única nação que assiste indiferente ao seu próprio fim. De formato rectangular, temos o feitio exacto de um caixão. Nada de flores, que eu não gosto. 

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