OS IDIOTAS (II)

É claro que na adolescência temos uma particular obsessão com sermos estúpidos [...] Quando abandonamos o universo relativamente instintivo e genuíno de uma escola primária entramos naquilo que se poderia designar de 'máquina de fazer estúpidos'. É talvez uma das características da sociedade capitalista: tirando a ganância — domínio onde a competitividade e a insaciabilidade são estimuladas —, em nenhuma outra área nos é pedido que nos distingamos da carneirada. Nos restantes aspectos da existência humana a sugestão implícita é a submissão à bitola em vigor [...]
Bem, quero dizer com este paleio estéril que quando frequentamos um liceu passamos o tempo a tentar ser um estudante medíocre como os outros. Há um exame oficioso em que queremos ser aprovados: o da opinião pública [...]
Os imbecis que temos por colegas tentam por todos os meios fazer-nos desistir de nós mesmos, com a ajuda da maioria dos professores [...] Podemos ser um cabrão de um génio, mas se não soubermos levantar a merda do braço e participar nas tagarelices da turma não levamos nota máxima. Talvez não levemos sequer uma boa nota, caso a nossa existência seja reveladora da miséria dos alunos e dos professores. O liceu não se limita a avaliar o nosso saber — vigia o nosso comportamento desviante.
[Rui Ângelo Araújo, Os Idiotas, pp. 43-45]

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