I.
A saga da
família Espírito Santo dava uma belíssima fita. Conta a história oficial que o
patriarca e fundador do grupo nasceu por 1850 em Lisboa, filho de pais
incógnitos. Abandonado numa igreja, baptizaram-no de José, por ser o
nome do pai de Cristo; de Maria, por ter sido Nossa Senhora a
madrinha; do Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade; e
finalmente de Silva, por motivos ainda não completamente explicados, mas
talvez por ser um dos apelidos do progenitor.
Existem
documentos suficientes para estabelecer a filiação de José Maria do Espírito
Santo Silva. O rapaz era filho de Simão da Silva Ferraz de Lima e Castro, Conde
de Rendufe. Isto explica que Zezinho, filho de pais incógnitos, sem meios de
fortuna, se tivesse estabelecido logo aos 19 anos como cambista na praça
lisboeta. O conde, que entretanto morrera, deixou-lhe dinheiro bastante e umas
cunhas aos amigos para que amparassem o rapaz enjeitado.
II.
A saga da
família repete desde aí nos altos e baixos a vida do Conde de Rendufe. Esperto
e essencialmente venal, familiarizado com o meio dos negócios, o conde granjeou
grossa fortuna ao relacionar-se com todos os regimes.
Em 1823,
quando D. Miguel estava por cima, Simão da Silva apoiou a Vilafrancada, o que
lhe valeu ser nomeado Intendente-Geral da Polícia. Mas os defensores do trono e
do altar sucumbiram. A onda liberal subverteu o Portugal velho. Derrancaram-se
as almas com a invasão de francesias dissolventes, eivadoras de racionalismo e
irreligiosidade. A juventude foi grimpando em conceitos novos, positivando-se
em Comte e materializando-se em Büchner. Antes disso, já o Rendufe era liberal
convicto.
Foi uma
vez detido pelo risco de destruição de documentos comprometedores, tal como o
seu trineto Ricardo Salgado. Foi noutra ocasião encarcerado sem culpa formada e
sujeito a um fuzilamento simulado, tal como alguns dos seus bisnetos durante o
PREC, em 1975.
III.
Rendufe
enxergou cedo que, para singrar nos negócios em Portugal, é preciso meter a mão
no Estado. Desembarcou no Mindelo com os liberais e fez-se eleger deputado e
par do reino.
Pisou,
como embaixador e ministro plenipotenciário, praticamente todos os países onde
o Grupo Espírito Santo viria a desenvolver a sua actividade. Assinou tratados
de comércio com o Reino da Saxónia. Trabalhou em Madrid, antes de ser nomeado
para o Rio de Janeiro, no Império do Brasil. Foi Ministro de Portugal em Paris.
Em 1849,
casou-se em Bruxelas com Emerencie de Boudry. Não lhe dava jeito nenhum — já
barão a caminho de conde — perfilhar logo no ano seguinte um miúdo nascido dos
amores clandestinos com uma lisboeta do Bairro Alto.
Está por
descobrir a importância do Bairro Alto no desenvolvimento económico e
financeiro do País. Fontes Pereira de Melo vivia lá, com sonhos de estradas e
ferrovias. O Grupo Espírito Santo também nasceu ali, naquele dédalo de ruas
estreitas e abafadiças, num colchão de palha, entre o labor dos carvoeiros e os
pregões estridentes das varinas.
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